Marco Civil – Uma vitória histórica, embora não perfeita, para os internautas Brasileiros

Escrito por Norberto Nuno Andrade do Berkeley Center for Law & Technology.

O projeto de lei nº 2.126 de 2011, mais conhecido como o “Marco Civil da Internet” foi, ontem, finalmente votado e aprovado pela Câmara dos Deputados do Brasil. Quase sete anos passaram desde a sua criação como proposta proveniente do setor académico. Após uma série de longos e animados debates realizados através de um processo de consulta pública pioneiro que contou com a participação massiva da sociedade civil brasileira, e depois de um prolongado impasse na Câmara que adiou a votação do projeto de lei mais de dez vezes, o Marco Civil é agora uma realidade, faltando apenas que seja aprovado pelo Senado e submetido à sanção presidencial.

A nova lei constitui o primeiro conjunto global e sistemático de normas para a Internet no Brasil, estabelecendo uma série de princípios, garantias, direitos e responsabilidades – relativas à utilização da Internet – para usuários, empresas e governo. Ainda mais importante, esta legislação baseia-se nos princípios da liberdade de expressão, proteção da privacidade e neutralidade da rede. Para todos os que defendem e promovem uma Internet livre, aberta e acessível no Brasil, o Marco Civil representa uma vitória histórica para os internautas brasileiros.

Embora certamente histórica, esta vitória não é absoluta. Apesar de ter retirado do texto final a emenda que obrigava empresas globais de Internet a manterem estruturas de armazenamento de dados (‘data centers’) em território nacional, a Câmara decidiu manter uma outra emenda que enfraquece acentuadamente o direito à privacidade dos usuários brasileiros. Trata-se da disposição relativa à guarda obrigatória de dados (Art. 15), através da qual se exige que provedores de aplicações de Internet mantenham os respectivos registros de acesso a essas aplicações pelo prazo de seis meses (tais como históricos de navegação). Importa realçar que esta disposição não se aplica a blogues, sites e outras aplicações de Internet constituídas sem fins económicos. Ainda sim, esta norma impõe um dever de guarda, genérico e sem precedentes, a todos os provedores brasileiros que administrem um site e / ou apresentem serviços online com fins lucrativos, obrigando-os assim a manter os dados pessoais dos seus usuários sem necessidade de obter o seu consentimento. A obrigação da guarda de dados agrava o risco e aumenta a probabilidade da utilização incorreta desses dados. Além do mais, a manutenção de todos esses dados em condições de segurança sobrecarregará os respectivos provedores com maiores encargos económicos e providências de cariz técnico.

Ainda assim, o Marco Civil concilia de forma positiva os objetivos comerciais das empresas, os requerimentos necessários à prossecução de investigações por parte de autoridades policiais, e os propósitos de interesse público da Internet. Esta legislação assegura importantes (e necessários) direitos digitais aos cidadãos brasileiros; clarifica prévios pontos ambíguos e preenche lacunas na legislação, facilitando o cumprimento da lei por parte de empresas que atuam no Brasil; preserva o caráter aberto e descentralizado da arquitetura da Internet; e protege a liberdade de expressão e a privacidade do usuário, garantindo simultaneamente a neutralidade da rede e a inovação online. O Marco Civil, como instrumento legislativo abrangente que regulamenta o uso da Internet, é inovador em termos de caráter, âmbito e finalidade. Esperemos que outros países sigam o exemplo brasileiro do Marco Civil, adotando leis similares que reforcem a privacidade dos internautas e promovam a abertura da Internet.

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